quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quebec: Um novo país para o mundo?

Por Camila Gregurincic

Pessoal eu recebi um email muito interessante do Antônio Carlos Silva Ferreira, elogiando o último post que fiz sobre a questão separatista da Bélgica. Além disso, conversamos sobre a sua viagem ao Canadá e a questão separatista que lá se encontra também. Todo o texto e as fotos são de autoria dele. Muito obrigada Antônio! Espero que gostem...

QUEBEC: Um novo país para o mundo?
Por Antônio Carlos Silva Ferreira


Estive no Canadá no verão de 1997 e, como os livros de Geografia haviam me ensinado que aquela era uma nação bilíngüe, eu estava curioso para ver como era um país onde todo mundo falava inglês e francês. Conheci cidades de 03 diferentes províncias, que é como eles chamam os estados: na costa oeste, Vancouver e Victoria na província de British Columbia e no leste visitei Toronto, Ottawa, Niagara Falls e London na província de Ontario; Quebec e Montreal na província de Quebec. Na prática não vi um pais tão bilíngue assim, pois nas províncias de British Columbia e Ontario predomina o inglês. Em Ottawa, por ser a capital do país e ter a obrigação de dar exemplo, nota-se as duas línguas até nas placas das ruas, mas ainda tenho a impressão que lá as pessoas falam mais inglês que francês. Finalmente, na província de Quebec é perceptível a predominância do francês.

Em setembro de 2009, voltei de férias ao Canadá para aprimorar o meu francês incipiente, naqueles esquemas de curso intensivo numa escola para estrangeiros e hospedagem numa casa de família local. Desta vez, minha permanência por 30 dias vivendo em Montreal me deu a oportunidade de conviver um pouco com a cultura quebequense e compreender melhor o que está por trás da questão bilíngue do Canadá.

Segundo me falaram, as leis locais obrigam a que, nas lojas, restaurantes e demais estabelecimentos comerciais o atendimento seja bilíngue e era comum ser recebido pelo vendedor, numa loja, com um “Bonjour...Hi”, para que eu escolhesse em que língua gostaria de ser atendido. Os letreiros nas ruas, as conversas das pessoas no metrô e nos ônibus ocorre mais em francês, algumas poucas vezes escutei diálogos em inglês, o que não é de se estranhar numa metrópole de pouco mais de 3 milhões de habitantes, onde chegam imigrantes e viajantes, a lazer e negócios, de várias partes do mundo.

A história da formação do estado canadense nos conta que ingleses e franceses colonizaram o território e lá pelo século XVIII, ao final da Guerra dos Sete Anos, por meio de acordos firmados pelo Tratado de Paris, a França abdicou da sua parte do Canadá em favor dos ingleses. Desde a colonização, a região às margens do Rio São Lourenço, onde estão Montreal e a cidade de Quebec, era ocupada pelos franceses. Já no século XIX uma invasão americana com objetivos expansionistas fez com que as províncias canadenses se unissem numa confederação que os protegesse de uma segunda tentativa. Quando da Primeira Guerra Mundial o Canadá se alia aos britânicos, gerando uma divergência doméstica vez que os canadenses de origem francesa, diferentemente dos de origem inglesa, não eram a favor de entrar na guerra. À essa época o Canadá ainda sofria forte influência política da coroa britânica, o que não agradava aos canadenses francófonos.

Somente em 1969 o francês é também instituído como língua oficial do Canadá, certamente numa tentativa de apaziguar os ânimos e manter a confederação. Em 1977 o francês se torna a língua oficial da província de Quebec. Em 1980 e em 1995 houve plebiscitos para decidir a independência do Quebec, mas os votos a favor não foram suficientes para o êxito. Em 1997, a Suprema Corte do Canadá julgou que a secessão unilateral de uma província canadense é inconstitucional, criando mais um obstáculo ao anseio quebequense. Não obstante, os franceses do Quebec mantêm vivo o desejo de independência e o chamado movimento soberanista permanece vivo e atuante.

O movimento acusa o governo federal canadense de fazer uso do termo soberanista (souverainiste, em francês) para fazer média com o eleitorado francófono e do termo separatista (separatist, em inglês), para dar uma conotação negativa ao projeto. Alegam os partidários do movimento soberanista que, embora não sejam contrários ao federalismo, não há como reformar o sistema federal do Canadá de modo a compatibilizar a necessidade de centralização dos anglófonos e a necessidade de autonomia política do Quebec.




No meu dia-a-dia em Montreal, notei muitas bandeiras do Quebec em varandas de residência, em contraponto às bandeiras do Canadá nos prédios públicos e pontos turísticos. Passando em frente a um condomínio de apartamentos para aposentados, observei uma grande quantidade de varandas com bandeiras do Quebec elegantemente estendidas e voltadas para a rua. Certamente os mais idosos são defensores enfáticos da soberania do Quebec, mas mesmo entre algumas pessoas mais jovens com quem falei percebi o mesmo sentimento. Uma delas sempre fazia questão de se dizer quebequense e não canadense e se referia ao Quebec como um país de francófonos, inclusive, considerava os anglófonos do Quebec como membros de uma colônia e não como população nativa. Outra pessoa contou-me que se sentia quebequense antes de sentir-se canadense e que acreditava que os resultados do último plebiscito não foram favoráveis em razão do grande número de imigrantes com direito de voto que não tem o mesmo sentimento de pertencimento dos quebequenses e se consideram simplesmente canadenses. Sendo o segundo maior país do mundo em extensão territorial e com apenas 32 milhões de habitantes, o Canadá, de fato, tem uma política de incentivo à imigração, e é notório que a província de Quebec empreende uma forte campanha de atração de imigrantes, por meio da paradiplomacia, ou seja, à parte do aparato diplomático federal.

Ainda no terreno político, o governo federal reconhece a Rainha da Inglaterra como Chefe de Estado do Canadá, representada no país por um Governador-Geral, o que é uma tradição nas ex-colônias britânicas que hoje integram o que eles denominam de comunidade de nações (Commonwealth of Nations). Na prática, a rainha e seu representante são figuras simbólicas sem real interferência política nos desígnios do país, mas os francófonos, que nunca foram súditos da coroa britânica, não são favoráveis à manutenção desse status.

Ao que me parece a luta dos quebequenses por independência tem como origens os laços culturais e linguísticos que unem os francófonos do Canadá, talvez mais que razões econômicas, geopolíticas, estratégicas, etc. Isto me faz lembrar duas outras viagens que me fizeram questionar se a soberania e independência de um povo é sempre a melhor opção para o desenvolvimento e qualidade de vida de sua população. No primeiro caso, em abril de 2000, numa viagem a Chicago, peguei um táxi e, em conversa com o motorista, que falava inglês com sotaque, perguntei-lhe de onde ele era. Apontando orgulhosamente uma bandeirinha vermelha, azul e verde, ele me disse ser da Eritréia. Curioso, busquei saber que país era aquele do qual nunca ouvira falar e descobri que a Eritréia é um país africano que se tornou independente da Etiópia, em 1991, depois de 30 anos de luta. A Eritréia tem cerca de 10% do território da Etiópia, pouco mais de 6% da população daquele país e, antes da independência, era a única porção de terra da Etiópia banhada pelo mar. Ambos os países têm baixa expectativa de vida, índice de desenvolvimento humano baixíssimo e economias fraquíssimas. Hoje são dois países independentes, cada um com seu presidente, bandeira, símbolos nacionais, mas afora isso, o que a guerra e a divisão trouxeram de concreto foi a divisão da miséria em duas nações.
O segundo caso eu vim a conhecer em 2006, numa viagem a Aruba. Aquela famosa ilha do Caribe teve a opção de se tornar independente da Holanda, mas a sua população preferiu ser um território autônomo. Isto significa que Aruba tem bandeira, hino, símbolos nacionais e moeda própria, um primeiro-ministro eleito pela população e um governador-geral que representa a rainha da Holanda. Os assuntos de política interna são resolvidos no âmbito do próprio país, mas a Suprema Corte, a defesa (Aruba não tem forças armadas) e o passaporte são holandeses. Com cerca de 1,5 vezes o território da Eritréia e apenas 2% da população daquela nação africana, o que Aruba ganhou com a não independência total foram todas as benesses de uma nação desenvolvida como a Holanda. Em conversa com moradores locais, eles me diziam que lá todos têm casa, emprego, segurança e boa qualidade de vida. Como o país foi sucessivamente dominado por espanhóis, ingleses e por fim, holandeses, a população, além de falar o dialeto local (papiamento), aprende, na escola pública, a falar inglês, espanhol e holandês. Diferentemente do Canadá, Aruba é um país de fato multilíngue onde, em vários lugares em que estive, a conversa se iniciava em espanhol e terminava em inglês ou vice-versa porque os nativos, por vezes, queriam agradar, mas ficavam na dúvida se eu vinha de algum país sul-americano ou da América do Norte. Próxima da linha do Equador e, portanto, ensolarada praticamente o ano todo, Aruba vive do turismo, tem aeroporto internacional, excelente infra-estrutura e, embora não tenha nenhuma fonte de água potável, a água retirada do mar e dessalinizada pode ser bebida diretamente da torneira, como em qualquer país desenvolvido. Dito isto, fica fácil entender porque todas as placas de carro da ilha tem a frase “Aruba. One Happy Island”.


De volta à questão do Quebec, embora a região não guarde semelhanças com Aruba, muito menos com a Eritréia, questiono-me se a independência é a melhor opção e diversas indagações afloram à minha mente:


Língua - um dos pilares de afirmação do movimento separatista do Quebec é a língua, mas é visível como o francês quebequense se distanciou do francês da França e está impregnado de neologismos oriundos da língua inglesa, possivelmente influência da população anglófona do Quebec. Tanto assim que, na escola que frequentei, eles faziam questão de explicar que ensinavam o francês “internacional” ou “standard”, já que alguns alunos se queixavam de que, mesmo aprendendo francês, tinham dificuldades em entender a conversa dos cidadãos quebequenses nas ruas.

Defesa – que percentual do orçamento da nova nação seria destinado à defesa em detrimento de outras necessidades? Ou, a exemplo de Aruba, cuja defesa é garantida pela Holanda, o Quebec dependeria do Canadá para fazer a sua defesa?

Espírito Nacionalista - se, conforme alguém me disse, os imigrantes se sentem canadenses e não exclusivamente quebequenses, até que ponto a soberania do Quebec atende aos anseios da população atual da região que é formada não só por francófonos, mas por um significativo contingente de anglófonos e imigrantes?

Economia - a população total do Canadá é insuficiente para o país e a política de incentivo à imigração do Quebec deixa transparecer que lá também falta gente. Com uma população de cerca de 7 milhões de pessoas, seria a economia do Quebec suficientemente pujante para promover o desenvolvimento sustentável do país?

Enquanto estive no Canadá, a imprensa anunciou que a Irlanda havia aprovado, em plebiscito, o Tratado de Lisboa que promove alterações na Constituição da União Européia. O fato é relevante porque, em junho de 2008, a mesma Irlanda havia rejeitado o tratado com receio de que as alterações previstas minassem a condição de neutralidade e soberania do país. Especialistas afirmam que a mudança de opinião, pouco mais de um ano depois, deve-se à crise financeira que se abateu sobre o mundo em fins do ano passado, que atingiu também a economia daquele país, antes apelidado de Tigre Celta, pela sua crescente força econômica. Fatos como esse e a própria criação da zona do Euro, assim como outras iniciativas de criação de blocos econômicos que implicam na formação de alianças entre países que abdicam de parte da sua soberania em função da união que faz a força, parecem apontar uma tendência em direção contrária à pretendida pelo Quebec.

São várias interrogações, sem dúvida. O meu objetivo pessoal de conseguir aprimorar o francês, em Montreal, foi atingido. Quanto a essa decisão de tornar ou não o Quebec um novo país para o mundo, penso que é um bom exercício para os canadenses, especialmente para os quebequenses. Que sejam bem sucedidos, qualquer que seja a escolha.

Antônio Carlos Silva Ferreira é administrador pela UCSal e Especialista em Relações Internacionais pela UFBA.

* Email para contato: acferreira@atarde.com.br

Um comentário:

  1. Eu estive há muito tempo procurando por estas informações sobre a separação de Quebeque do resto do Canadá, enfim ficou muito bom o seu texto.

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